Carta às Famílias

A atual momento em que o mundo está passando, quarentena, isolamento social, angústias e incertezas, exige de nós um reforço na paciência e no equilíbrio emocional. Quando há crianças em casa esses requisitos precisam estar ainda mais presentes.

É um momento delicado que, talvez, ninguém da nossa geração vivenciou. A incerteza do que encontraremos nos próximos dias pode ser mais prejudicial. Mas com a cooperação, a amizade e os cuidados todos podemos encontrar meios para superar mais esse momento de dificuldade.

A Escola Sempre-Viva, atenta ao que está acontecendo e com o pensamento no que é melhor para todos, decidiu por continuar com as portas fechadas.

Uma de suas fundadoras e diretora pedagógica e administrativa, Olga Brasil, faz um comunicado a todas as famílias da escola no vídeo a seguir.

João Pessoa, 16 de abril de 2020

PRONUNCIAMENTO

Caríssimas Famílias,

No momento em que escrevi esta carta, uma pessoa especial, que é apaixonada pela escola, me fez esta observação: “A escola está muito calada e os pais muito ansiosos para saber o que vai acontecer. Por que a escola não se pronuncia?”.

Olhei para ela e apenas sorri. Porém, dentro de mim, me perguntei: “Mas não é o momento de ficarmos todos calados, refletindo?”. Esta grande pandemia que faz o mundo todo sofrer será em vão?

Estamos vivendo um período tão precioso que se não o compreendermos virão outros mais severos, de maior dor para nos desalojar. O despertar não deverá ser apenas individual; necessitará ser coletivo. Fomos surpreendidos por uma guerra que poderia ser muito mais violenta, destruidora e sangrenta.

Não estamos levando uma surra; estamos levando apenas um puxão de orelha.
Por que será?

Para que servirá isto em minha vida? Se cada um de nós fizermos o retorno que estamos precisando para dentro de si, certamente encontraremos respostas que irão ressignificar as escolhas de vida, os valores, o sentido da existência, o amor ao meu próximo, mais próximo mesmo, como a mim mesma, meus filhos, meu companheiro(a); e no alto da minha reflexão também me perguntar: “Como anda minha humanidade? Contenta-me ser apenas uma espécie?

Neste cenário, é normal eu estar preocupada(o) com minha criança ficar tantos dias sem escola? Sem alfabetização? Sem as tarefas escolares? Com tantas telas? Seu ambiente é fértil ou estéril?”

Não seria o momento de nos questionarmos: por que no Brasil, neste exato momento, crianças da mesma idade da minha não tem uma casa minimamente decente para cumprir junto com suas famílias o isolamento social necessário? Nem o direito natural lhe é permitido nem acessível. Sua própria sobrevivência é ameaçada pelo pior inimigo do ser humano: a fome. Tem água, sabão, álcool em gel, comida dentro da casa dessas crianças? Tem uma cama? E, principalmente, suas mães e seus pais vivendo intensamente para elas, despreocupados? Todas as crianças do meu país tem um computador para ter aula on-line? E quem precisa dessas aulas: os pais ou as crianças? Precisam mesmo? Aula on-line resolve para a infância? Não vivemos questionando o malefício das telas já comprovado pela ciência? Por que vamos aumentar sua dose?

O cenário é desfavorável. Cabe a cada um de nós abrir bem os olhos para vermos a grande injustiça social e ambiental no nosso país, na verdade, no nosso planeta, sob pena de abrirmos ainda mais o fosso. Nosso presente é a escola da vida de forma mais real, pulsante, irredutível e produtiva possível. Não podemos continuar fazendo de conta que a dor não existe. Vamos escolar primeiramente a nós, adultos, nossos sentimentos, emoções, aprimorar nossa visão de mundo, nosso sentimento de pertencimento.

Fazendo este dever de casa que o momento nos pede, estamos também educando nossas crianças para juntos criarmos uma nova humanidade, uma humanidade melhor: menos injusta, mais feliz para todos.

Não é a hora de se precipitar em soluções que piorem ainda mais o confinamento. Provavelmente todos – exceto os bancos – teremos prejuízos financeiros, mas vamos lutar para salvar o que temos de melhor dentro e fora de nós.

Faremos o possível e o impossível para que a escola esteja aqui esperando as crianças de vocês. A escola também demanda a participação ativa de toda sua comunidade, principalmente de vocês, mães e pais, para que ela se mantenha viva.
Suas crianças com certeza não retornarão as mesmas.

O mínimo que podemos fazer por eles é zelar para que encontrem tudo no mesmo lugar:  as plantas e os animais vivos, suas professoras e seus oficineiros presentes, seus afetos não maculados,  seus recantos preferidos reservados.
Porém, esta empreitada depende da sensibilidade de todas as partes envolvidas, pois isso requer sacrifícios.

De forma, isso se refletirá, por exemplo, na manutenção dos contratos para que este sonho que se transformou há 36 anos numa escola única continue sendo financiado e sendo diariamente concretizado. Mesmo durante a quarentena estamos nos deslocando cotidianamente para manter o espaço vivo, pois plantas e animais precisam ser cuidados e alimentados.

A  pandemia está nos fazendo olhar para nossas raizes que foram tão  fortalecidas lá no início que esta escola chegou até vocês. Esta é a hora de agradecer às primeiras famílias e de convidar vocês, famílias de hoje, a cuidarem para que passemos às futuras famílias a escola que vocês receberam.

A pandemia passará. A Sempre-Viva continuará

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