Enraizemos Nossas Crianças

Nossa beleza reside na diferença cultural peculiar do lugar onde vivemos. A globalização é uma ameaça constante a esta singularidade. Não que ela seja um mal em si, mas pode se tornar caso não estejamos bem sedimentados em nossa cultura. A globalização exige maior consciência de que não podemos deixar de ser um povo (se é que somos).
A escola é a instituição por excelência que deve não apenas manter mas fazer a criança possuir a cultura do lugar onde ela vive. Isto é dar-lhe chão, dar-lhe raiz. O contrário é nos negar o tempo todo. Dói na alma ver a instituição que deveria estar trabalhando para não formar crianças apáticas ou psicóticas – como diz Lino Macêdo, importante pedagogo brasileiro – estampar suas fachadas e outdoors com “kids”. Por que não “crianças”? Não acham bonita a sonoridade da língua portuguesa? Ou o imperialismo já tomou conta de suas mentes? Ariano Suassuna que o diga. Ele deve estar arrasado em ver crescer nossa pequenez. Não é que não seja importante aprender outra língua. Mas quantas crianças de língua materna inglesa, ou alemã, ou francesa, seja lá qual for, estão empenhando sua infância em aprender qualquer outra língua que não seja a sua?
A globalização é boa mas perigosa.É bom pensar se não estamos entregando demais nossos destinos. Vejamos quantas perdas este “progresso” já nos causou: os quintais, as ruas para correr, o direito de ir e vir sozinhos e seguros para a casa do vizinho, dos avós, dos tios, as contações de história em família, mães em casa tempo integral, pais e mães menos estressados, e por aí se vai. O próximo passo está explícito. Perderemos nossa identidade. Pense antes que seja tarde. Raiz não se improvisa. É plantada, cuidada, cultivada. É responsabilidade da nossa sociedade zelar pela consolidação da identidade dos seus membros.

(O livro de Ghada Karmi – Em Busca de Fátima, da Ed. Record – é um alerta para o perigo da não-consolidação da nossa identidade. Este narra a vida de uma palestina, cuja babá chamava-se Fátima; o resto só vai saber quem ler).

(Texto originalmente publicado no jornal Contraponto em 01/2014)

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